Tempo virá em que os seres humanos se contentarão com uma alimentação vegetariana e julgarão a matança de um animal inocente como hoje se julga o assassínio de um homem.” Leonardo da Vinci

sábado, 22 de dezembro de 2018

Sermão das aves



Sermão que São Francisco proferiu para as aves em uma região entre Cannara e Bevagna, Itália, estando o santo na companhia de Frei Masseu e Frei Angelo. Narram as sagradas crônicas que as aves ouviram com muita atenção e regozijo, e, ao final, reverenciaram o Poverello de Assis com gestos a incluir o inclinar a cabeça e abrir as azinhas, bem como de lindos trinados, tudo em homenagem a São Francisco, e só deixaram o local quando o santo fez o sinal da cruz e permitiu que voassem.

Minhas irmãzinhas aves, vocês devem muito a DEUS, o CRIADOR, e por isso, em todo lugar que estiverem devem louvá-LO, porque ELE lhes permitiu que voassem para onde quisessem, livremente, da mesma forma que devem agradecer o alimento que ELE lhes dá, sem que para isso tenham que trabalhar; agradeçam ainda a bela voz que o SENHOR lhes proporciona, que lhes permitem realizar lindas entonações! Vejam, minhas queridas irmãzinhas, vocês não semeiam e não ceifam. É DEUS quem lhes apascenta, quem lhes dá os rios e as fontes, para saciar a sede; quem lhes dá os montes e os vales, para o seu refúgio e lazer, assim como lhes dá as árvores altas, para fazerem os ninhos. Embora não saibam fiar e nem coser, DEUS lhes concede admiráveis vestimentas para todas vocês e seus filhos, porque ELE lhes ama muito e quer o bem estar de vocês. Por isso, minhas irmãzinhas, não sejam ingratas, procurem sempre se esforçarem em louvar a DEUS.”

                                 




segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Devolvendo a liberdade


Em relação às publicações deste blog, os leitores do mesmo já observaram que compartilhamos textos produzidos por autores de grandes tradições religiosas como o Hinduísmo, o Budismo e o Cristianismo. E o objetivo que nos move a compartilhar esses textos tão belos e enobrecedores é no sentido de auxiliar a demonstrar a universalidade, a auspiciosidade, a sublimidade, excelência, a sabedoria do elevado princípio da não-violência, do amor e da compaixão pelos seres, bem como da superioridade do vegetarianismo, para que todas as pessoas possam adotar o vegetarianismo e seguir pelo iluminado caminho da compaixão por todos os seres. Desta forma, na oportunidade compartilhamos o belíssimo texto "Devolvendo a liberdade", o qual aborda algo do imenso amor e enorme compaixão que venerável Lama Kalu Rinpoche sentia pelos seres vivos, ele que, vivendo neste mundo entre os anos de 1904 e 1989, é tido como um dos grandes mestres budistas do século XX. Que o exemplo de Kalu Rinpoche fale aos corações e a todos inspire.

Venerável Mestre Kalu Rinpoche


Kalu Rinpoche tinha uma grande afeição pelos animais. Ele gostava muito de visitar os zoológicos e recitar mantras para os animais enjaulados. Gostava também de lhes devolver a liberdade. Ele o fazia cada vez que podia, resgatando, mais especialmente, centenas, milhares de peixes, que comprava no mercado de Siliguri, a grande cidade na planície abaixo de Sonada, em Benares ou em outros locais. Durante suas estadas em Hong Kong e em Taiwan, resgatava um grande número de peixes, de moluscos, de crustáceos, de tartarugas e de pássaros. Desejando que essa prática fosse estabelecida regularmente, fundou uma associação encarregada de coletar fundos e organizar cada mês a soltura de animais. O texto que segue é uma carta escrita nessa ocasião.

"Aos benfeitores e discípulos de Taiwan que tem fé e devoção:

Todos os seres, quaisquer que sejam, consideram seu corpo e sua vida muito caros e lhes são muito apegados; daí surgem as dores, os medos e os sofrimentos. Caso nos trespassassem, nos batessem e nos dessem pancadas para nos matar, qual não seria nossa angústia e nossos sofrimentos! Os animais não nos fazem nenhum mal; entretanto, nós nos apoderamos deles contra sua vontade, nós lhes infligimos insuportáveis sofrimentos físicos e nós lhe tomamos a vida.

Esses animais, durante numerosas vidas passadas, foram nosso pai e nossa mãe. Nós mesmos gozamos agora - resultado de atos anteriores virtuosos - uma existência dotada de uma certa liberdade e de uma certa tranquilidade. Se, graças a ela, podemos salvar da morte e do sofrimento animais que nada podem fazer para se proteger, com isso retribuímos a bondade de nossos pais em vidas passadas. A supressão de uma única vida leva ao renascimento no inferno durante um kalpa. Em seguida, quinhentas vezes nossa vida será tomada de volta; enfim, no curso de numerosas existências teremos um corpo feio e miserável e contínuas ameaças pesarão sobre nossa vida. Em contrapartida, salvar um único ser da morte e do sofrimento leva, durante centenas de vidas, ao renascimento como deva ou homem dotado de boas condições de existência; teremos uma vida longa, boa saúde, abundância de bens, perfeitas felicidade e tranquilidade. Se, mais particularmente, dermos substâncias sagradas que liberam pelo paladar aos animais, areia que libera pelo contato, e se recitarmos para eles os nomes dos Budas e mantras, onde quer que nasçamos teremos uma vida longa, beleza física, voz agradável, grande sabedoria, riqueza e companhia de bons amigos; nossos desejos serão atendidos, nasceremos em um país agradável, estaremos livres de todas as ameaças e encontraremos o dharma; no momento da morte, não experimentaremos os sofrimentos da agonia, nunca cairemos nos mundos inferiores, viveremos em harmonia com todos e renasceremos finalmente no Campo de Beatitude. Os benefícios são ilimitados já que levam, numa perspectiva última, ao Despertar. Tudo isso foi explicado pelo próprio Buda.

Assim, quando com fé e grande compaixão, fazemos aos animais sem proteção nem recursos, aos pássaros, aos passarinhos, aos peixes, às tartarugas e a todas as espécies de animais minúsculos ou grandes, os quatro tipos de dons - dom do dharma, dom do amor, dom de bens materiais e dom da segurança -, e quando ao mesmo tempo só lhes desejamos o bem, não estaremos fazendo um benefício apenas para eles, mas para nós mesmos, que obteremos nesta própria vida, longevidade, saúde, riqueza e ausência de adversidade; em todas nossas vidas futuras, obteremos esses mesmos benefícios que proporcionamos aos outros.

É inútil ter esperanças ou dúvidas quanto a isso, já que a lei do karma é inelutável. Eu lhes peço, portanto, para tomar parte nesta prática virtuosa, de onde retirarão, para vocês mesmos e para os outros, temporariamente e definitivamente, benefícios e felicidade, filiando-se a associação "Tirar dos mundos inferiores" e trabalhando com ela."

Kalu Rinpoche - Taipei, 23 de abril de 1986

Fonte: http://quietamente.blogspot.com/2011/08/devolvendo-liberdade.html
acesso em 03/12/2018


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O rei Yudisthira e seu cão


O sábio vê o Senhor Supremo no coração de todos os seres vivos

O bom Rei Yudisthira governava o povo Pandava havia muitos anos e os conduzira a uma guerra vitoriosa, porém muito longa, contra gigantescas forças do mal. Concluídos seus esforços, Yudisthira percebeu que já passara muitos anos na terra e que era hora de partir para o reino dos Céus. Depois de terminado todo o planejamento, dirigiu-se até a grande Montanha a fim de alcançar a Cidade Celestial. Sua linda esposa, Drapaudi, foi com ele, e também o acompanharam seus quatro irmãos. Logo no início do caminho, juntou-se a eles um cão, que os seguia em silêncio.

A jornada até a montanha era longa e penosa. Os quatro irmãos de Yudisthira foram morrendo pelo caminho, um a um, e depois deles, a linda esposa Drapaudi. O rei ficou totalmente só, exceto pelo cão, que o acompanhou fielmente por toda a árdua e demorada subida em direção à Cidade Celestial. Finalmente os dois exaustos e enfraquecidos, chegaram diante das portas do Céu. Yudisthira curvou-se em humilde reverência ao pedir que fosse aceito. O céu e a terra se encheram de estrondoso ruído quando o Senhor Indra chegou para receber o Rei no Paraíso. Mas Yudisthira ainda não estava pronto.

- Sem meus irmãos e minha querida esposa, minha inocente Drapaudi, não desejo entrar no Céu, ó Senhor de todas as divindades.
- Não tema - respondeu Indra. - Você os encontrará a todos no Céu. Eles chegaram antes e estão aqui!

Yudisthira ainda tinha um pedido a fazer.
- Este cão acompanhou-me por todo o caminho até aqui. É devotado a mim. Por sua fidelidade, não posso entrar sem ele! E, além disso, meu coração lhe tem muito amor.

Indra balançou a enorme cabeça e a terra toda tremeu.
Só você pode ter a imortalidade - disse ele - a riqueza, o sucesso, e todo o júbilo do Céu. Você conquistou isso empreendendo a árdua jornada. Mas não pode trazer um cão para dentro do Céu. Livre-se do cão, Yudisthira. Não é nenhum pecado!

- Mas para onde irá ele? E quem irá acompanhá-lo? Ele desistiu de todos os prazeres da terra para ser meu companheiro. Não posso abandoná-lo agora.

Indra se irritou com aquilo e disse com firmeza:
- Você precisa estar puro para entrar no Paraíso. Um simples toque num cão eliminará todos os méritos da oração. Reconsidere o que está querendo fazer, Yudisthira. Deixe que o cão se vá.

Yudisthira insistiu: Senhor Indra, é difícil para uma pessoa que sempre tentou ser justa, fazer algo que considere injusto, mesmo que seja para entrar no Céu. Não desejo a imortalidade se para tanto é preciso livrar-me de alguém que me é devotado.

Indra o instigou mais uma vez: - Você deixou para trás, na estrada, quatro irmãos e a mulher. Por que não pode deixar também o cão? 
Yudisthira respondeu: - Abandonei-os apenas porque já tinham morrido e eu não poderia mais ajudá-los nem trazê-los de volta à vida. Enquanto estavam vivos eu não os abandonei.
- Você está disposto a abandonar o Céu, então, por causa desse cão? - perguntou-lhe Indra.

- Grande Indra - retrucou Yudisthira - sempre mantive minha promessa, nunca abandonei quem tivesse medo e viesse à minha procura, quem estivesse aflito e desvalido ou quem estivesse fraco demais para se proteger sozinho e desejasse ainda viver. Acrescento agora um quarto elemento. Prometo não abandonar quem for devotado a mim. E não vou abandonar meu amigo. Yudisthira abaixou-se para acariciar o cão e estava prestes a afastar-se tristemente do Céu quando, de repente bem diante de seus olhos aconteceu um prodígio. O cão fiel transformou-se em Dharma, o Deus da Virtude e da Justiça. 
Indra disse:
- Você é um bom homem, Rei Yudisthira. Demonstrou fidelidade aos fiéis e compaixão por todas as criaturas. Mostrou-se capaz disso ao renunciar ao Céu em vez de renunciar a esse humilde cão que era seu companheiro. Será honrado no Céu, ó Rei Yudisthira, pois não existe um ato que seja mais elevado e mais ricamente recompensado, do que a compaixão para com os humildes.

Então, Yudisthira entrou na Cidade Celestial tendo ao lado o Deus da Virtude. E lá tornou a encontrar-se com os irmãos e a querida esposa para desfrutarem da eterna felicidade.
(Extraído do Mahabharata)
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A imagem que aparece no início representa um santo vaishnava em reunião com seus discípulos, e o texto acima, juntamente com seu título, foi extraído do site vaishnava http://adorandokrishna.blogspot.com/2018/05/o-rei-yudisthira-e-seu-cao.html






segunda-feira, 26 de março de 2018

Discurso de Pitágoras sobre vegetarianismo

 Pitágoras (570 a.C. - 490 a.C.)

Da lavra inspirada do grande poeta latino Ovídio (43 a.C. - 18 d.C.), Metamorfoses constitui uma de suas obras de referência, sendo que, no último livro, o de número 15, vamos encontrar o famoso discurso em defesa do vegetarianismo e que Ovídio atribui ao grande filósofo Pitágoras. O texto que segue, ou seja, a tradução em português do referido discurso, é extraído da obra escrita no início do século vinte pelo renomado ativista vegetariano português Jaime de Magalhães Lima, intitulada "O Vegetarianismo e a Moralidade das raças", com as reticências que não prejudicam a compreensão e apreensão do inspirado texto. Segue, portanto, o discurso de Pitágoras em defesa do vegetarianismo.

"Havia em Crotona um homem da ilha de Samos que se exilara da pátria pelo ódio que tinha aos tiranos... Tinha com os deuses aturado comércio... O que sabia comunicava-o a uma multidão de discípulos que em um grande silêncio o admiravam...

Foi o primeiro que condenou o uso de comer a carne dos animais: doutrina sublime, e tão pouco apreciada, cuja paternidade se lhe atribuía.

Deixai, mortais, dizia, deixai de vos servir de manjares abomináveis: dão-vos os campos searas abundantes; para vós vergam de frutos as árvores com os mais belos pomos e produzem uvas as vinhas. Tendes legumes d'um suave gosto, excelentes alguns quando cozidos. O mel e o leite não vos são defesos. Enfim para vós, a terra é pródiga de suas riquezas e oferece-vos toda a espécie de alimento sem que necessiteis para sustentar-vos de recorrer à morte e à carnagem.

Só aos animais convêm o comer carne, e ainda nem todos se sustentam dela. Os cavalos, os bois e as ovelhas vivem só de ervas; apenas as feras, os tigres, os leões, ursos e lobos fazem da carne seu sustento habitual.

Que crime horrível lançar em nossas entranhas as entranhas de seres animados, nutrir na sua substância e no seu sangue o nosso corpo! Para conservar a vida a um animal, porventura é mister que morra um outro? Porventura é mister que em meio de tantos bens que a melhor das mães, a terra, dá aos homens com tamanha profusão, prodigamente, se tenha ainda de recorrer à morte para o sustento, como fizeram ciclopes, e que só degolando animais seja  possível cevar a nossa fome?

Procedia diferentemente a idade de ouro, ditosos tempos que nós assim chamamos. Contente com as plantas e os frutos que a terra produz, o homem não manchava a sua boca com o sangue dos animais. As aves voavam sem temor no meio dos ares... O universo tranquilo desconhecia laços e ciladas. Tudo era paz.

Aquele, seja quem for, que para desgostar os homens dos alimentos inocentes com que se alimentavam, criou o costume de comer a carne dos animais, abriu na mesma hora a porta a crimes de todo o gênero; porque foi sem dúvida pela carnificina desses animais que o ferro começou a ser ensanguentado. Na verdade, é permitido tirar a vida aos animais que nos atacam, mas não nutrir-nos com a sua carne. 

Todavia, fomos mais longes ainda; quisemos sacrificá-los aos deuses... Que crime tínheis cometido, ovelhas inocentes, rebanhos tranquilos, que dais aos homens um néctar delicioso, que para vos cobrir deixais despojar do vosso manto e que enfim lhes sois mais úteis quando vos deixam viver do que quando vos matam? Que mal faz o boi, doce animal, incapaz de vos prejudicar e que não é senão para o trabalho? É necessário ser ingrato, desnaturado, de todo indigno dos bens que nos dá a terra, quando vamos tirar da charrua esse animal tranquilo, o melhor dos nossos obreiros, para o conduzir ao altar a receber o golpe fatal nessa cabeça que tantas vezes gemeu sob o jugo e, por um trabalho duro e penoso, tantas vezes nos renovou as searas. 

Não bastava aos homens cometerem tão grandes crimes, precisavam ainda da cumplicidade dos deuses, crendo que lhes podia ser agradável o sacrifício d'um animal tão útil... Levam assim a vítima ao altar; lá, recitam sobre ela orações que ela não ouve; põe-lhe entre as pontas, que foram doiradas, um bolo feito d'aquele mesmo grão que ele cultivou, e afunda-se-lhe no seio a lâmina sagrada...

Logo lhe tiram as entranhas ainda palpitantes, para as consultarem e lerem n'elas os segredos dos deuses. Dizei-me, homens insaciáveis, d'onde vem esta avidez que só pode fartar-se em carnes proibidas. Deixai tão criminoso uso. Segui os conselhos que vos dou. Sabei que, quando comeis a carne do boi que acabais de degolar, comeis aquele que vos lavrou o campo. Pois que é um deus que me inspira, só falo segundo a sua vontade...

As nossas almas são sempre as mesmas, embora tomem formas diferentes conforme os corpos que animam. Que a piedade não seja sacrificada à vossa gula, que para vos saciar não expulseis dos seus corpos as almas dos vossos pais nem vos alimenteis do seu sangue...

É acostumar-nos a derramar sangue humano degolar animais inocentes e ouvirmos sem piedade seus tristes gemido. É desumanidade não nos comovermos com a morte do cabrito, cujos gritos tanto se assemelham aos das crianças, e comermos as aves que tantas vezes demos de comer. Ah! quão pouco dista d'um enorme crime!

Funesta aprendizagem! Deixai tranquilamente o boi lavrar a terra e seja a sua morte o termo natural de sua velhice. Contente-nos o velo do rebanho que nos livra da atmosfera agreste, e o leite que as cabras dão para nos nutrir; parti os vossos laços e as redes, não mais o visco engane a ave crédula. Não mais se leve aos cerco o tímido veado, perturbado com as penas que o espantam, e que não mais se oculte o anzol em traiçoeiro engôdo. Matai os animais que podem fazer mal, mas contentai-vos em só lhes dar a morte e não os comer, e que só vos sirvam alimentos legítimos". (Do poeta Ovídio, "Metamorfoses", Livro XV, extraído de  "O Vegetarianismo e a Moralidade das Raças", do autor Jaime de Magalhães Lima, disponibilizado por The Project Gutenberg, https://www.gutenberg.org/files/24338/24338-h/24338-h.htm, acesso em: 26/03/2018)

Nota: em nossa opinião, quando o autor declara "matai os animais que podem fazer mal", ele se refere ao princípio de autodefesa em face de grave ameaça.

 Ovídio (43 a.C. - 18 d.C.)