Tempo virá em que os seres humanos se contentarão com uma alimentação vegetariana e julgarão a matança de um animal inocente como hoje se julga o assassínio de um homem.” Leonardo da Vinci

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A crueldade do regime cárneo


Sandro Oliveira de Carvalho

A célebre frase de Paul MacCartney "Se os abatedouros tivessem paredes de vidro, todos seriam vegetarianos", deixa implícita uma verdade cruel e, ao mesmo tempo, inconveniente para muitos. Cruel, porque conduz à constatação da existência de uma realidade brutal e chocante para os animais; inconveniente, porque, confrontadas com essa terrível realidade, as pessoas que comem carne geralmente procuram, de uma forma ou de outra, esquivar-se da crise de consciência que lhes advém quando tornam-se cônscias do que se passa por detrás das paredes sangrentas dos matadouros de animais. Neste sentido, não há exagero algum em afirmarmos que esses horrendos lugares de matança constituem, literalmente falando, verdadeiros infernos na Terra; antros de suplício e desespero nos quais são lançadas inocentes e indefesas criaturas vivas, sofridas, repletas de sensações, carências, percepções e necessidades comuns a todos os seres vivos. Os animais não querem sofrer, não querem morrer e, no entanto, são maltratados, mortos e esquartejados todos os dias.

E chega a ser tão grande a degradação, o horror e a maldade que se observam nesses lugares, onde o sofrimento e a morte reinam soberanos, que somente uma coisa pode explicar a insensibilidade de tantas pessoas em face das barbáries praticadas nessas apavorantes e detestáveis instalações, onde os animais são brutalmente maltratados e mortos: a cauterização das consciências. 

Desta forma, ao refletir sobre esses fatos cruéis, dantescos, macabros, tenho me perguntado, e a Deus também, como é possível que seres humanos esclarecidos, sensíveis, inteligentes, sabendo da extensão do medo e do sofrimento pelo qual passam os animais em seu triste martírio, ainda assim possam devorar, com prazer e alegria, os restos mortais de seres abatidos em meio a tanta dor e agonia? Como é possível, a tantos seres humanos, depois de compactuar com tamanha monstruosidade e falta de compaixão, cinicamente declarar que são religiosos, que amam a Deus e que buscam obter, junto a Ele, a mesma misericórdia que negaram aos seres indefesos por eles sacrificados no altar de um vício tão cruel, degradante e asqueroso quanto o vício de comer cadáveres? Lamento dizer, ainda que minhas palavras possam ofender o orgulho de alguns, mas não acredito em expressões de religiosidade que não levam em consideração o amor, a bondade e a compaixão pelos animais. Neste sentido, estou plenamente convencido de que a religiosidade que apresenta falha tão grosseira, em sua concepção ou manifestação, não passa de arremedo de espiritualidade, de oco formalismo, de culto vazio, inútil, estéril e destituído de algo que é sumamente fundamental em uma religião, ou seja, o acolhimento, a bondade, a compaixão e misericórdia para com os indefesos e sofredores. E essa convicção que trago dentro de meu coração, queridos leitores, é a mesma de milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo sábios de todos os tempos e lugares. Abraham Lincoln, por exemplo, notabilizou-se por estas palavras:

"Não me interessa nenhuma religião cujos princípios não melhoram nem tomam em consideração as condições dos animais."

Lincoln também expressou seu apoio aos direitos humanos e dos animais:

"Eu sou a favor dos direitos animais bem como dos direitos humanos. Essa é a proposta de um ser humano integral."
Jamais poderíamos justificar a maldade contra os animais, mas se há um tempo em que a violência contra as inocentes criaturas de Deus torna-se de maneira especialmente inaceitável esse tempo é justamente hoje, pois, com o atual nível de consciência e progresso da humanidade, chega a ser intolerável o pensamento de que o homem pode destruir, impunemente, a vida dos animais.

É bom dizer, neste sentido, que todos os que maltratam os animais, ou consentem em que outros o façam, estão seriamente doentes: doentes da alma, doentes do caráter e precisando passar por uma reforma espiritual antes que partam para a eternidade levando consigo o peso da culpa e do remorso pela maldade praticada ou consentida contra os seres sencientes.

E por que são os animais enviados todos os dias, em tão grande número, para os matadouros? Simplesmente para aumentar os ganhos daqueles que lucram com o desespero, o sofrimento e a morte dos seres e, ainda, para satisfazer as papilas gustativas daqueles que decaíram tanto a ponto de achar que não podem viver sem carne, da mesma forma que o alcoólico, ou outro dependente químico, supõe que não sobreviverá sem o vício que o escraviza e destrói.

É importante enfatizar, ainda, que o martírio dos animais, que encontra final triste e estarrecedor nas ensanguentadas dependências dos matadouros, começa bem antes, ou seja, começa na criação das pobres criaturas, conforme denunciam, no mundo inteiro, incontáveis informes e publicações. Os fatos denunciados dão conta de que milhões de vacas, bois, galinhas, frangos e porcos, por exemplo, são mantidos vivos em condições tão cruéis e degradantes que chega a causar profunda comoção e indignação nos seres humanos que ainda sentem um pouco de piedade em seus corações.

Confinadas em ambientes ou espaços superlotados, desconfortáveis, imundos e tristes, onde mal conseguem se movimentar, as sofridas criaturas se debatem em agonia, ansiedade e estresse. Vacas são mantidas escravizadas a vida inteira para que produzam leite em quantidades antinaturais, cada vez maiores, o que lhes causa intenso sofrimento devido aos repetitivos e desconfortáveis processos de ordenha e manipulação de seus úberes sensíveis, inflamados e doloridos. Galinhas poedeiras são mantidas amontoadas em gaiolas onde o espaço para cadas uma delas não é maior do que as dimensões de uma folha de papel A4 e, nessas condições terrivelmente brutais, as sofredoras aves permanecem a maior parte do tempo acordadas e comendo compulsivamente de modo a produzirem ovos em quantidade tal que atenda a uma demanda industrial cada vez maior e mais ávida por produção e lucro. Tamanha é a falta de compaixão para com frangos, galinhas e perus, que muitos criadores e matadores já não se referem a essas criaturas como constituindo um rebanho, mas as designam apenas como “estoque”, querendo dar a impressão de que tais animais não são mais do que “coisas”; não são mais do que mercadorias destituídas de valor, a não ser o irrisório, mísero valor que estabelecem em dinheiro e pelo qual vendem, aos comilões de carne, os corpos assassinados e despedaçados das pobres criaturas.

Observe, a propósito, o que disse o Dr. Peter Cheek (PhD):

Na minha opinião, se a maioria dos que comem carne nos centros urbanos visitassem uma granja industrial para ver como as aves são criadas, e pudessem ver como as aves são "ceifadas" e então "processadas" em uma usina de processamento de carnes, essas pessoas não apenas ficariam impressionadas mas talvez algumas delas amaldiçoassem e jurassem não mais comer galinha e talvez as demais carnes.” Contemporary Issues in Animal Agriculture, 1999. (1)

Em relação aos suínos, a realidade não é diferente, principalmente no que diz respeito às infelizes porcas criadas como reprodutoras, pois as pobrezinhas são mantidas aprisionadas em gaiolas ou compartimentos tão pequenos e desconfortáveis que ficam praticamente impedidas de se mover, o que lhes causa grande sofrimento físico e psíquico.

Outros animais que sofrem muito são os ursos mantidos confinados em fazendas chinesas para a extração de sua bílis que, segundo absurdas crendices populares, conteriam propriedades medicinais.

Neste sentido, observe o que publicou o site www.vidavegetariana.com:

“Em Novembro de 1999 e Fevereiro de 2000, investigadores da WSPA visitaram um total de 10 fazendas de ursos em 6 províncias do Sudoeste, Sudeste e Noroeste da China. Nessas fazendas, os ursos vivem em condições deploráveis, em gaiolas que medem O.8m x 1.3m x 2m, espaço total em que o urso mal pode se mover, sentar ou mesmo mudar de lado. Em cada fazenda visitada, os chãos das gaiolas foram construídos com barras de ferro, negando aos animais a possibilidade de ficar em pé, ou deitar no chão firme. Machucados na cabeça, nas patas e nas costas foram encontrados na maioria dos ursos que vivem nessas condições, por se rasparem repetidamente nas barras para tentar se mover. Os "fazendeiros" não permitem que os animais hibernem, através de reforço de comportamento não natural. Na maioria das fazendas a dieta dos ursos é muito pobre. Purê de milho, maçãs, tomates e açúcar misturado com água, são a fonte de alimentação principal desses animais, o que não é suficiente sem suplementos vitamínicos e minerais. Os ursos são alimentados duas vezes por dia, para incentivar produção de bílis. Filhotes de urso que nascem nas fazendas são retirados de suas mães aos 3 meses de idade. Em algumas fazendas, eles são colocados de imediato para treinamento de performances em circos. Essas performances, as quais incluem boxing, andar de bicicleta e se equilibrar em corda bamba, têm sido oferecidas como nova atração para atrair turistas asiáticos, com a finalidade de conseguirem um dinheiro extra. Depois de mais ou menos um ano, essas performances acabam. Ao completarem 3 anos eles vão para uma gaiola de 1.6m x 1.6m x 2.6m, até o crescimento completo, de 3 anos. Durante esse período, 2 ursos podem ficar juntos. Assim que os ursos atingem a idade adulta, a extração de bílis começa. O urso é transferido para uma gaiola muito menor, que não facilita nenhum movimento, para que se possa extrair a bílis mais facilmente, duas vezes ao dia. Na maioria das fazendas visitadas pelos investigadores da WSPA, o procedimento cirúrgico para extração da bílis era feito pelos próprios donos das fazendas, sem treinamento veterinário. Quando ficam doentes, algumas vezes drogas são administradas, mas quando não funcionam, deixam o animal morrer à sua própria sorte. Entre a idade de 5 e 10 anos, os ursos podem parar de produzir bílis. São, então, colocados em outra gaiola onde esperam a morte por doença ou fome, ou são mortos para que vendam suas vesículas ou patas. Patas de ursos são consumidas como um prato fino, no Sudoeste da Ásia e a venda das mesmas representa mais um dinheiro extra para as fazendas. A mortalidade dos filhotes nascidos nas fazendas também é alta, porque as novas mães comem seus filhotes. Quando os ursos estão em seu habitat esse comportamento é raro e isso sugere que a mãe está sob severo stress. (…) O método de extração de bílis difere de fazenda para fazenda, mas em todas elas, os ursos têm uma abertura no abdômen e na vesícula, feita cirurgicamente. Um tubo é então insertado para conduzir a bílis ou uma vara de aço é forçada pra dentro da vesícula, para que a bílis escorra na direção certa. A bílis é secretada pelo fígado através do duto hepático e armazenada na vesícula. No processo de alimentação, a bílis passa pelo duto comum de bílis em direção ao duodeno, que ajuda a fazer a digestão. Entre 10 e 20 mg de bílis são drenadas de cada urso, 2 vezes ao dia, enquanto estão se alimentando, o que impede que a digestão do urso ocorra adequadamente. Durante a "ordenha" os investigadores da WSPA testemunharam sinais de stress severo em cada urso. Gemer e bater a cabeça contra a grade era comum, enquanto outros ursos tentavam morder as próprias patas. Durante entrevista com especialistas chineses em técnicas de fazendas de ursos, foi revelado que para cada duas implantações em aberturas de abdômen bem sucedidas, 2 ou 3 ursos morrem de infecção e outras complicações. O índice de mortalidade atualmente está em 50 e 60 %, mas já houve índices de 70 e 80%. O tempo de vida de um urso que sobrevive a essas cirurgias intrusivas também é encurtado dramaticamente. No entanto, fica difícil estabelecer exatamente quanto tempo a maioria dos ursos vive, os relatos evidenciam que a média de vida desses animais é de 5 a 10 anos.” (2) 

Tais relatos, embora descrevendo intensa dor e crueldade, não revelam senão muito superficialmente a verdadeira extensão das horrendas condições a que estão expostos bilhões de animais em todo o planeta, pois não falamos, até agora, dos animais que são torturados e mortos para abastecer o aviltante comércio de peles que, transformadas em casacos ou outras peças de roupas ou acessórios, trarão um certo tipo de gozo e satisfação para madames e cavalheiros insensíveis diante do inaudito sofrimento e desespero que sua vaidade causa a milhões de animais. Também não discorremos, na presente oportunidade, a respeito da hedionda prática da vivissecção e que continua existindo, apesar do absurdo que representa essa contínua e sistematizada forma de tortura contra criaturinhas indefesas e inocentes. Dizem-nos que tais práticas odiosas são necessárias para o avanço da ciência. Não é verdade! Esses métodos medievais não são realmente seguros e eficazes. Além disso, toda pessoa bem informada, seja cientista ou não, sabe perfeitamente que existem métodos substitutivos para as pesquisas, de modo que nada justifica a violência, a tortura e a barbárie nos laboratórios. Desta forma, enquanto pessoas fúteis e insensíveis nada sentem pelos animais e até riem de sua desgraça, aqueles que são dotados de nobreza de espírito e amor pelas criaturas de Deus geralmente ficam tristes e abatidos quando pensam no sofrimento que o homem inflige ao reino animal. Mesmo agindo no sentido de  uma renovação de ideias, princípios e práticas, os que se empenham na luta pelos direitos dos animais sentem-se, muitas vezes, impotentes e cheios de dor quando, principalmente nas noites frias de inverno, em que estão protegidos em seu lares e aquecidos em suas camas, pensam nos pobres animais que estão, naquele exato momento, com frio, fome, sede e medo, muito medo, enquanto aguardam para serem feridos, mortos e esquartejados nos matadouros.

Aliás, um fato deveras importante para trazer a lume é que, nesses horríveis matadouros, onde a brutalidade e o pavor estendem suas asas lúgubres e terrificantes, os animais percebem tudo o que se passa e pressentem o que lhes sucederá e isso os enche de pavor e profunda agonia. Eles sentem a presença, nesses ambientes nefastos, de pesadas e trevosas energias negativas expelidas por seres de natureza extrafísica e de aparência disforme e monstruosa, que ali comparecem para assistir as cenas degradantes, rir, debochar e de alguma forma se locupletar, num frenesi de sadismo e loucura, dos sofrimentos e terror pelos quais passam as pobres criaturas vituperadas e sacrificadas no vil altar da deusa crueldade e seu consorte glutão. Todavia, seres angelicais, de natureza espiritual superior, também comparecem a esses infamantes locais para tomar nota e produzir relatórios de tudo quanto ali se passa, pois a crueldade do ser humano para com os animais, ninguém jamais se engane quanto a isto, não passa um momento sequer despercebida aos olhos de Deus que, a seu tempo, trará a juízo os culpados por ação e omissão. Observe, a propósito, a singular afirmação da escritora cristã Ellen White, falecida em 1915, em seu comentário sobre o episódio bíblico envolvendo a jumenta que, segundo o texto religioso, teria falado ao ser espancada. A narrativa se encontra no livro de Números, capítulo 22 (Antigo Testamento):

"Aquele que maltrata os animais porque os tem em seu poder, é tão covarde quanto tirano. A disposição para causar dor, quer seja ao nosso semelhante quer aos seres irracionais, é satânica. Muitos não compreendem que sua crueldade haja de ser conhecida, porque os pobres animais mudos não a podem revelar. Mas, se os olhos desses homens pudessem abrir-se como os de Balaão, veriam um anjo de Deus, em pé, como testemunha, para atestar contra eles no tribunal celestial. Um relatório sobe ao Céu, e aproxima-se o dia em que se pronunciará juízo contra os que maltratam as criaturas de Deus." Patriarcas e Profetas, página 324 (3)

Escrevendo a respeito do vegetarianismo e da matança de animais, o notável escritor e orador Charles Webster Leadbeater, falecido em 1934 e que foi, além de sacerdote da Igreja Anglicana, Bispo da Igreja Católica Liberal, maçom, teósofo e ilustre personalidade de seu tempo, declarou enfaticamente as seguintes palavras:

“O homem que se alinha ao lado da evolução compreende a iniquidade de destruir a vida, pois sabe que, exatamente como está aqui em seu corpo físico a fim de que possa aprender as lições deste plano, da mesma forma o animal está ocupando seu corpo para que através dele possa obter experiência neste estágio inferior. Ele sabe que a vida por trás do animal é a Vida Divina, que toda a vida no mundo é Divina; os animais, portanto, são verdadeiramente nossos irmãos, mesmo que possam ser irmãos mais jovens, e não temos direito algum de ceifar suas vidas para a gratificação de nosso gosto pervertido – não é direito causar-lhes indizível agonia e sofrimento meramente para satisfazer nossa degradada e detestável luxúria. Levamos as coisas a tal ponto com nossos mal denominados “esportes” e abate em massa, que todas as criaturas selvagens fogem de nossa vista. Isto se parece com a fraternidade universal das criaturas de Deus? É esta nossa ideia da 'era de ouro' que está por vir, onde a bondade estará espalhada por todo o mundo – uma condição em que cada ser vivo foge da face do homem devido a seus instintos assassinos. Há uma influência pairando sobre nós em virtude disso tudo – um efeito que dificilmente podemos compreender a menos que sejamos capazes de ver como se parece quando considerado com o olhar do plano superior. Cada uma destas criaturas, que tão impiedosamente é assassinada dessa maneira, possui seus próprios sentimentos e pensamentos com relação a tudo isso; elas sentem horror, dor e indignação e um intenso, mas inexpresso sentimento de hedionda injustiça.” Vegetarianismo e Ocultismo, páginas 64 e 65. (4)

Em face da inevitável e vergonhosa constatação da maldade praticada contra os animais, principalmente aquela que ocorre nos matadouros, muitos comedores de carne tentam, inutilmente, isentar-se de sua responsabilidade alegando, por exemplo, que não matam os animais, mas apenas comem os corpos abatidos por outras pessoas.

Ora, sem prejuízo do fato de que só existe crueldade e matança de animais porque há quem coma carne, pois se todos fossem vegetarianos não haveriam matadouros, o que essas pessoas precisam compreender e aceitar, em definitivo, é que, ao comer carne, elas se tornam, quer queiram, quer não, co-participantes da crueldade. 

Disse Ralph Waldo Emerson:

Você acabou de jantar, mas por mais que o matadouro esteja escrupulosamente longe dos olhos, a quilômetros de distância, ainda haverá cumplicidade.” Fate, The Conduct of Life, 1860 (5)

Atente, ainda, para as seguintes considerações de C. W. Leadbeater:

“Até aqui mencionamos o que chamamos de considerações físicas e egoístas que poderiam fazer um homem abandonar o hábito de comer carne e voltar-se, mesmo que apenas para seu próprio bem, para uma dieta mais pura. Pensemos agora por alguns momentos sobre as considerações morais e inegoístas relacionadas com seu dever para com os demais. O primeiro destes – e isto parece-me a coisa mais terrível – é o horrível pecado de desnecessariamente matar esses animais. Aqueles que vivem em Chicago sabem bem como este chocante e incessante massacre prossegue em seu meio, como eles alimentam a maior parte do mundo com a matança por atacado e como o dinheiro feito neste abominável negócio é manchado de sangue, cada moeda dele. Tenho mostrado claramente, com testemunhos irrepreensíveis, que tudo isso é desnecessário, e, se é desnecessário, isso é um crime. A destruição da vida sempre é um crime. Podem haver certos casos nos quais é o menor dos males, mas aqui é desnecessário e sem justificativa, pois ocorre apenas devido à ganância egoísta e inescrupulosa dos que cunham dinheiro em cima da agonia do reino animal, a fim de suprir os gostos pervertidos daqueles que são suficientemente depravados para desejar tal repugnante aflição. Lembrem-se de que não são apenas aqueles que fazem o trabalho obsceno, mas aqueles que, ao alimentarem-se de carne os encorajam a cometer seu crime remunerado, que são culpados perante Deus desta coisa terrível. Cada pessoa que compartilha deste alimento impuro tem sua parte nesta indescritível culpa e sofrimento através dos quais ele é obtido. É uma lei universalmente reconhecida que qui facit per alium facit per se – seja o que for que o homem faz através de outro, o faz ele próprio. Muitas vezes haverá alguém que dirá: “Mas não faria diferença em todo esse horror se apenas eu deixasse de comer carne.” Isto é inverídico e falso; em primeiro lugar, porque isto faria uma diferença, pois ainda que se consuma apenas meio quilo a cada dia, com o tempo chegaria ao peso de um animal; em segundo, porque não é uma questão de quantidade, mas de cumplicidade com um crime, e se você compartilha dos resultados de um crime, está ajudando a torná-lo rentável e, assim, toma parte na culpa. Homem honesto algum pode deixar de ver que é assim. Mas, quando os desejos mais baixos dos homens estão envolvidos, eles são usualmente desonestos em sua visão e declinam de encarar fatos evidentes. Certamente não pode haver diferença de opinião em relação à proposição de que toda esta horrível matança desnecessária é, de fato, um crime terrível.” Vegetarianismo e Ocultismo, páginas 51 e 52. (6)

Leadbeater enfatiza, ainda, outro aspecto que trata da responsabilidade dos que comem carne em relação ao processo de inevitável degradação, principalmente espiritual, daqueles que participam diretamente da morte, desossa, corte, etc., do animal maltratado e assassinado:

“Ainda outro ponto a ser considerado é a perversidade de causar a degradação e o pecado em outros homens. Se você próprio tivesse que usar a faca ou o machado para matar o animal antes de comer sua carne, compreenderia a natureza repugnante da tarefa e logo se recusaria a fazê-la. As delicadas senhoras que devoram bifes sanguinolentos gostariam de ver seus filhos trabalhando como magarefes? Se não gostariam, então não têm o direito de dar esta tarefa ao filho de alguma outra mulher. Não temos o direito de impor a um concidadão um trabalho que nós próprios declinaríamos de fazer. Pode-se dizer que não forçamos ninguém a incumbir- se deste abominável meio de vida; mas esta é uma mera tergiversação, pois, ao ingerir este horrível alimento, estamos produzindo uma demanda para cuja satisfação alguém deverá brutalizar-se, alguém irá se degradar abaixo do nível da humanidade. (…) Deve-se certamente reconhecer que esse é um trabalho indizivelmente horrível e que se você toma alguma parte nesse terrível negócio – mesmo que de auxílio para sustentá-lo – está colocando outro homem na posição de fazer (de modo algum por uma necessidade sua, mas meramente para a gratificação de sua luxúria e paixão) um trabalho que, sob nenhuma circunstância, consentiria a você mesmo.” Vegetarianismo e Ocultismo, páginas 53 e 54. (7)

Neste sentido também se manifestou a teósofa, escritora e ativista Annie Besant, falecida no ano de 1933: 

"Cada pessoa que come carne endossa, pessoalmente, uma parte de responsabilidade pela degradação dos seus semelhantes. Se é verdade que o mundo é regido por uma Lei, se é verdade que a Lei predomina não somente no mundo físico, mas também nos mundos astral, mental e espiritual, então, cada criatura participante num crime deve igualmente participar na penalidade decorrente desse crime, e, assim, a sua própria natureza revestir-se-á de um caráter de brutalidade intrínseca a esse ato e da participação nos resultados que daí provém. Um outro ponto sobre o qual o homem incorre em uma outra responsabilidade, fora daquela relativa à classe dos matadores de gado e açougueiros, é o sofrimento derivante do uso de alimentos em cuja composição entra a carne, e que é inevitável pelo próprio fato de sustentarem, assim, da carne de animais dotados de sensibilidade. Não são apenas os terrores do matadouro, mas, ainda, os horrores preliminares do transporte em trens e em navios, a  privação de alimento, a sede, as longas experiências de terror que estes desafortunados seres têm de sofrer para a satisfação do apetite do homem. Se disso quereis fazer uma ideia, assisti ao desembarque de um navio e vereis o medo, o sofrimento revelarem-se na expressão destas pobres criaturas que, afinal, são nossos irmãos, embora menos evoluídos. Sustento que não tendes o  direito de infligir estes sofrimentos, os quais são uma dívida contra a humanidade, que diminui e retarda em massa o progresso humano; porque vós não podeis separar-vos assim do mundo, não podeis isolar-vos e prosseguir a vossa evolução, espezinhando os outros seres. Aqueles que pisais retardam o vosso próprio adiantamento. O mal que causais é, por assim dizer, a lama que se aguarra aos vossos pés quando vos quiserdes elevar, porque devemos elevar-nos juntos ou cairmos juntos, e o mal que fazemos a seres sensíveis retarda a nossa evolução humana e torna mais lentos os progressos da humanidade para o ideal que ela procura realizar." Vegetarianismo e Ocultismo, páginas 100 e 101 (8)

Leadbeater escreveu, ainda, a respeito da experiência de um garoto que trabalhou em um matadouro e de como isso traumatizou o rapazinho:

“Li a respeito de como um menino, para o qual um pastor havia conseguido um lugar em um abatedouro, voltava para casa, dia após dia, pálido, doente e incapaz de comer ou dormir; finalmente foi até o ministro do evangelho do compassivo Cristo e lhe disse que estava pronto para passar fome, se necessário, mas que não podia atolar-se no sangue nem mais um dia. Os horrores do abate o afetaram de tal forma que não podia mais dormir.” Vegetarianismo e Ocultismo, páginas 68 e 69. (9)

A terrível angústia que afetou o menino é semelhante àquela que afeta, dramática e intensamente, milhões de pessoas no mundo inteiro, pois a humanidade vive presa em cadeias de ódio, violência, guerras e outras formas de dor, sofrimento e opressão e tudo isso não terminará enquanto o homem não cessar sua maldade em relação aos animais.

Disse Pitágoras:

“Enquanto o homem continuar a ser o destruidor impiedoso dos seres animados dos planos inferiores, não conhecerá a saúde, nem a paz. Enquanto homens massacrarem os animais, eles se matarão uns aos outros. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor.”

Diante da gravidade dos fatos relacionados à exploração, crueldade e matança de animais, urge que tomemos, de forma individual e coletiva, medidas urgentes tendo em vista o fim de todo esse lamentável estado de coisas. Mas isso não será possível enquanto as pessoas não alcançarem, mediante sinceros esforços e com a ajuda de Deus, a superação de seu egoísmo e fraqueza ante os desejos que combatem contra a alma e as mais elevadas aspirações do ser.

Leiamos, a propósito, a seguinte declaração de Leadbeater:

“Somente a partir da elevação dos indivíduos em relação aos demais, tornando- nos mais civilizados, poderemos, finalmente, alcançar um mais elevado estágio civilizatório da raça como um todo. Há uma “era de ouro” por vir não apenas para o homem mas também para os reinos inferiores, um tempo em que a humanidade compreenderá seu dever para com os seus irmãos mais jovens – não para destruí-los, mas para auxiliá-los e treiná-los de tal forma que possamos receber deles, não terror e ódio, mas amor, devoção, amizade e razoável cooperação. Um tempo virá em que todas as forças da Natureza estarão trabalhando juntas inteligentemente em direção à meta final, sem constante suspeita e hostilidade, mas com reconhecimento universal da Fraternidade que é nossa porque somos todos filhos do mesmo Pai Todo Poderoso. Façamos pelo menos uma experiência: libertemo-nos da cumplicidade nestes crimes terríveis, procuremos, cada um em seu pequeno círculo, antecipar este tempo brilhante de paz e amor que é o sonho e o desejo sincero de todo homem honesto e que pensa. Pelo menos deveríamos estar dispostos a fazer algo tão pequeno para auxiliar o mundo a progredir em direção a este glorioso futuro; devemos nos tornar puros, nossos pensamentos e nossas ações, bem como nossa alimentação, de tal forma que, tanto através do exemplo quanto do preceito, possamos estar fazendo tudo que depende de nós para propagar o evangelho do amor e da compaixão para pormos um fim ao reino da brutalidade e do terror, para antecipar a aurora do grande reino de retidão e amor, quando a vontade de nosso Pai será feita assim na Terra como é no Céu.” Vegetarianismo e Ocultismo, páginas 72 e 73. (10)

Concluiremos nosso texto com a oração de São Basílio (329/379), vegetariano e antigo padre da Igreja Grega, rogando a Deus, nosso Pai Celestial, que fortaleça os ideais, propósitos e lutas dos que já são vegetarianos e conduza ao arrependimento e conversão os que ainda não deixaram o regime cárneo fazendo despertar, em cada um deles, a compreensão, como bem ponderou o Reverendo Andrew Linzey, de que os “Animais são criaturas de Deus, não são propriedade humana, nem utensílios, nem recursos, nem tampouco mercadorias. São seres preciosos aos olhos de Deus.” Oxford University, "Animal Theology", 1995 (11)

“Oh! Senhor!
Aumenta em nosso interior o sentido da amizade com todos os seres que têm vida, nossos pequenos irmãos a quem Tu destes a Terra como seu lugar, junto conosco. Recordamo-nos envergonhados que no passado exercemos o domínio superior do homem, com desapiedada crueldade e assim a voz da Terra, que deveria ter subido até Ti em canções, tem sido um lamento. Oxalá nos demos conta que eles vivem não somente para nós, senão para eles e para Ti, e que eles amam a doçura da vida, da mesma forma como a amamos e te servem a Ti melhor, em seu meio, do que nós no nosso.” Animais, nossos irmãos, páginas 169 e 170 (12)




Referências bibliográficas:

(1) Em: www.vegetarianismo.com.br > Pelos Animais > Se os matadouros tivessem paredes de vidro... Acesso em 30 de junho de 2011.

(2) Em: http://vidavegetariana.com/especiais/urso.htm Acesso em 30 de junho de 2011.

(3) WHITE, Ellen G. Patriarcas e Profetas. Casa Publicadora Brasileira - Tatuí - SP, 2007.

(4) C. W. Leadbeater / Annie Besant. Editora Teosófica, Sociedade Civil - Brasília-DF, 1992.

(5) Em: www.vegetarianismo.com.br > Pelos Animais > Se os matadouros tivessem paredes de vidro... Acesso em 30 de junho de 2011.

(6) C. W. Leadbeater / Annie Besant. Editora Teosófica, Sociedade Civil - Brasília-DF, 1992.

(7) C. W. Leadbeater / Annie Besant. Editora Teosófica, Sociedade Civil - Brasília-DF, 1992.

(8) C. W. Leadbeater / Annie Besant. Editora Teosófica, Sociedade Civil - Brasília-DF, 1992.

(9) C. W. Leadbeater / Annie Besant. Editora Teosófica, Sociedade Civil - Brasília-DF, 1992.

(10) C. W. Leadbeater / Annie Besant. Editora Teosófica, Sociedade Civil - Brasília-DF, 1992.

(11) Em: www.vegetarianismo.com.br > Pelos Animais > Se os matadouros tivessem paredes de vidro... Acesso em 30 de junho de 2011.

(12) KUHL, Eurípedes. Petit Editora e Distribuidora Ltda. - São Paulo - SP, 2002.